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Visões do Abismo

Tuesday, November 30, 2004

Memórias de Um Náufrago: Capítulo XVI - O Dia da Partida.

Minha mente fervia. Precisava encontrar um modo de partir sem que Tereza desconfiasse. Eu nem imaginava que ela tinha outros planos para a minha jangada, e aquela malvada agia da maneira mais dissimulada, fazendo seus preparativos de viagem, que na verdade não me incluíam a não ser num possível afogamento não-acidental. O entusiasmo dela em partir era a única coisa genuína, e chegava a ser comovente. Confesso que em alguns momentos eu pensava em levá-la comigo. Fazer o quê? Sou um sentimental. Além disso, sexo em alto-mar não era má idéia. Mas em seguida me lembrava que aquela mulher sem coração havia me espezinhado, usado, agredido, torturado durante meses... e eu adorava! Comecei a aceitar a idéia de tê-la comigo. Se ela me largasse ainda na praia de chegada, estaria bem. Quem gostaria de viver com uma mulher daquelas para sempre?
Marcamos o dia da partida. Na véspera, acomodei toda a bagagem na jangada, com uma preocupação especial com a água potável e a coleção de colares de conchas de Tereza. Juntei um estoque de camisinhas de látex de palmeira, e me considerei pronto. Voltei para a caverna, para dar boa noite à minha amante, e ela ofereceu-me uma xícara de chá. Aceitei. Trouxe-me um copo grande, cheio até a borda, e parecia ansiosa para que eu bebesse. Tomei uns goles, e como sempre acontecia quando aquela desalmada me tratava bem, fiquei profundamente desconfiado. Pedi uns biscoitos para comer na caminhada de volta, e enquanto ela os pegava, derramei o chá num canto. Vocês não imaginam, ou já imaginam, como fiz bem agindo assim. Peguei os biscoitos, fizemos sexo umas duas ou três vezes para passar tempo, e parti na escuridão.
Fiz bem e muito bem, porque mesmo com uns três golinhos do tal chá eu mal consegui voltar para a aldeia, tamanho era o sono. Aquela bandida me drogara. Era parte de um plano que eu nem imaginava. Juvenal, aquele grande canalha, tornara-se cúmplice de Tereza, e na verdade não estavam ainda amantes porque o pênis do bandido continuava chamuscado e cicatrizava devagar. As feridas sempre arrebentavam, porque mesmo queimado o tarado tinha ereções constantes, e até por uma pancada de vento o bicho se assanhava. Um doente! Ele continuava andando nu, e cada vez que encontrava Tereza o estrago era grande!
- Meu filho, mas o que é isso? Nunca viu não foi?
- Minha filha, você num imagina! O atraso é grande, é grande, é grande!
- Mas você não se acanha não? Sou uma moça!
- Deixe disso que você já viu antes e se num viu num sabe o que é. Chegue aqui, chegue, chegue!
- Mas que queres, homem? Tu achas que tens condição de fazer alguma coisa nesse estado?
- Chegue aqui, esfregue minha orelha com essa folha de bananeira pra passar minha aflição, vá!
E cada vez inventava um ritual diferente. Era um maníaco.
Não sei de quem foi a idéia original, mas Juvenal procurou o Pajé, e disse:
- Pajé, Juvenal com dificuldade grande pra dormir. Juvenal precisa remédio forte pra dar sono.
- Pajé faz remédio, Missifio. Pajé faz relaxante muscular pra Missifio tomar e derramar no pingulim de Missifio, e assim Missifio pára de ficar agoniado o tempo todo e pingulim de Missifio cicatriza em paz.
- Isso eu não quero! E se essa coisa me deixar impotente?
- Primeiramente pra deixar Missifio impotente teria que injetar curare na veia de Missifio, e só assim coisa parava de se mexer, porque cá entre nós, Missifio não é normal! Segundamente, remédio tem efeito de umas doze horas, no máximo, e efeito passa. Missifio num se preocupe.
Assim Juvenal bebeu o tal relaxante muscular pra desmaiar o bilau e ele poder sossegar, e levou o sonífero, que entregou para Tereza. A morena me faria bebê-lo, e quando eu acordasse os dois já estariam longe com minha jangada.
Mesmo não tendo tomado o calmante todo, quando Juvenal saiu eu estava mergulhado no sono. O pilantra teve umas duas horas de vantagem sobre mim, e tudo teria dado certo para os dois canalhas, se não fosse o relaxante muscular do Pajé. O Pajé era mesmo um incompetente. Juvenal acordou não só com o pingulim desmaiado, mas o efeito foi tão forte que toda a musculatura dele estava meio amolecida. As sobrancelhas e as bochechas estavam caídas, e os braços molengões, pendurados. As pernas bambeavam e ele não conseguia levantar o pé direito do chão. Os cantos da boca estavam caídos, e lá se foi Juvenal, arrastando uma perna e babando pelos dois lados dos beiços de cão fila. O ódio que sentiu do Pajé foi grande, e pensou em dar-lhe uma bordunada de desagravo e despedida, mas não conseguia nem levantar a borduna, e desistiu. O Pajé dormia feito uma criança inocente, e Juvenal sentiu mais ódio, mas não podia fazer nada e foi embora. Por meu turno, acordei bem disposto com o sono induzido, mas assustei-me com a hora, pois o sol ia alto. Pressenti que havia algo estranho, e me apressei.
Por seu turno, quando Juvenal chegou à praia, muito atrasado por ter arrastado os pés o caminho todo, Tereza esta possessa, mas mesmo assim levou o maior susto ao ver o infeliz com o estado tal e qual de quem tivesse tido um derrame. Falou, espantada:
- Mas que houve com você, criatura? Teve um derrame, foi? Meu Deus! Tá andando como a múmia daquele filme...
Juvenal não se cabia de ira. Mas não podia explicar porque nem falava direito.
- Diixa pra lá... Diipoiiss euu connttoo... Tummeeiii ummm rimméééddiiooo malldittooo... Tô prejuuudiicaaduuu...
Tereza pendurou o que pôde no pescoço dele, e perguntou:
- Trouxe as pepitas, não trouxe? Diga que trouxe senão te mato!
- Trrooouuuuuxeee...
- Então vamos embora, meu amorzinho!
Quando cheguei ao alto do morro, os dois ao longe eram apenas tracinhos, um correndo para a jangada, e o outro arrastando-se atrás. Não entendi a situação de todo, mas compreendi que havia sido traído, e disparei na carreira.

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