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Visões do Abismo

Monday, November 29, 2004

Memórias de Um Náufrago: Capítulo XII - Um Coração Partido.

Meus amigos, parafraseando Shakespeare, eu vos pergunto: "O que há numa bunda?" Não sejam escatológicos! Por estranha que pareça a questão, é oportuna. Juvenal era obcecado por aquela parte da anatomia feminina. Agora olhava para ela e pensava ver um tronco de coqueiro todo deformado. Oh ironia! Fiquei realmente transtornado com aquela situação, e comecei a pensar nas minhas prioridades neste mundo. Estava ali há mais de seis meses, esquecido da vida, e tudo porque tinha aquela mulher, ao qual estava preso pelo desejo. Aquela mulher que me escravizava, me espezinhava, me tiranizava, vivia pedindo móveis novos e não lavava minha roupa nem cozinhava nada que prestasse. Caí em mim que a vida não era só cair dentro dela, e resolvi que aquela estória já tinha dado tudo que tinha pra dar. Achei que a idéia da jangada não era nada má, e resolvi me mandar daquela ilha esquecida por Deus. Aparentemente Juvenal e o Pajé não desconfiaram de nada, e me senti à vontade para recolher alguns troncos, juntar alguns rolos de corda, e iniciar pra valer a preparação de uma embarcação que me levasse para longe de minha prisão. Além do que esta estória precisava acabar, não é? Numa noite em que eu roia uma perna de caranguejo, cozida com carinho por minha doce fantasma, tive um rompante de romantismo e perguntei a ela:
- Meu amor, o que você acharia de partir daqui comigo? - e minha voz era lânguida.
- Pra onde, seu abobado? Pra morar naquela aldeia com aqueles retardados tarados? Eu ia morrer de tédio. Você é mesmo tonto...
- Não, minha jóia rara, me refiro a partir desta ilha. A ir embora daqui para sempre.
Os olhos dela se acenderam.
- Ah, isso seria maravilhoso!
Senti meu coração trepidar de alegria. Ela levantou num pulo, correu até uma pedra, e retirou uns embrulhos de trás dela, que eu nunca tinha visto. Trouxe-os, e era uma pilha de revistas femininas meio velhas.
- Marcos Pasquim, Fábio Assunção, Luciano Szafir... Que homens lindos, maravilhosos, uns gatos! Imagina chegar ao continente! Cidades cheias de homens fantásticos, meu Deus!
E caiu para trás, rindo de contentamento. Ouvi um barulho de alguma coisa se estilhaçando e até me assustei, mas em seguida me tranqüilizei, vendo que era apenas meu coração.
- Mas meu amor, pensei que nós dois...
- Nós dois o quê? Fossemos ficar juntos para sempre? Você precisa reconhecer que no momento minhas opções são meio limitadas. - e deu uma gargalhada que dava gosto de se ouvir. Prosseguiu: - Você sabe, eu fui uma das que promoveu com mais entusiasmo a evacuação desta ilha. Todas as mulheres resolveram partir, porque estes idiotas nunca saiam para jantar fora, conversavam somente sobre trabalho, dançavam muito mal e só transavam uma vez por semana, depois do Fantástico. Mesmo assim quando não passava Big Brother Brasil. Só que por causa da pressa de fugir escolhemos um dia de maré alta, e acabei caindo da balsa que me levava. As ondas me trouxeram de volta, e as outras não conseguiram me resgatar. Fiquei só, durante anos, me divertindo em assombrar esses infelizes. A praga das mulheres da ilha surtiu efeito, e eles começaram a esquecer como é uma mulher, nada mais justo, já que nunca souberam tratá-las direito mesmo. Muitas vezes me diverti ficando parada no meio da estrada, segurando umas folhas de palmeira, e eles olhavam pra mim e pensavam que eu era um coqueiro-anão. Você me interessou porque era novo no lugar e tinha uma bundinha legal, mas isto não é casamento. Um casamento é feito de coisas muito mais sérias, como plano de saúde e cartão de crédito.
Naquela noite saí da caverna disposto a construir a jangada mais forte que pudesse, fugir ou morrer tentando, e fazer a única coisa possível a um homem quase apaixonado, naquelas circunstâncias: mandar pro inferno aquela desalmada.

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