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Visões do Abismo

Tuesday, November 30, 2004

Memórias de Um Náufrago: Capítulo XV - Um Perigoso Encontro.

Naquele momento eu não podia imaginar, mas Juvenal havia me seguido, buscando uma oportunidade de vingança contra mim. O canalha presenciou meu encontro com Tereza, e seguiu-nos até a caverna secreta. Esperou que eu saísse, e me observou partir. Então uma grande agitação se apossou do homem. Ele deduzira toda a situação, e instintivamente a visão de uma mulher de verdade, e ainda mais um exemplar tão bem acabado, causara um tremendo impacto sobre o maníaco, um impacto que nem os homens normais, nem os marinheiros em alto-mar, nem os criminosos sexuais nos presídios, nem os compulsivos por sexo no consultórios psicológicos, poderiam imaginar. Em estado de total agitação, ele não conseguia resolver o que fazer, mas um verdadeiro magnetismo o arrastou para a caverna. Entrou cautelosamente, mas rápido, e viu-se dentro do salão maior. Tereza, ajoelhada no chão a um canto, percebeu sua presença, e virou-se dizendo, amorosa como de hábito:
- Esqueceu o quê, seu demente?...
O susto de ver outro homem foi enorme, mas os marmanjos da tribo não assustavam Tereza desde que ela tinha seis anos de idade e aprendera a atirar uma pedra, e assim ela ergueu-se já com aquele velho tacape na mão, que eu conhecia tão bem, e aproximou-se de Juvenal, falando:
- Muito bem, seu tarado, conheço você. Depois de todos esses anos encontrou meu esconderijo, não foi?
Juvenal estava mudo e trêmulo de emoção. Ela parou diante dele, e o infeliz foi tomado de um tremor intenso, um verdadeiro frenesi. Ficou mudo por vários segundos. Por fim só conseguiu murmurar:
- Puxa, dona, como você é tremendamente... gostosa!
Ao ouvir aquilo um frêmito de irritação percorreu Tereza. Ela deu dois muxoxos, balançou a cabeça vigorosamente, e exclamou:
- Você faz idéia de como uma mulher moderna e independente detesta ser chamada de "gostosa"?
E lascou o tacape contra a cabeça de Juvenal.
Juvenal foi ao chão, mas nem sentiu o golpe. Era como se estivesse em transe, com aquela palavra há anos presa na garganta. Olhou novamente para ela, e repetiu:
- Gostosa!
Tereza saiu de si. Gritou: - Aahhhhhhhhhhh! E mandou outra bordunada contra o corpo caído no chão. Juvenal apagou.
Quando acordou estava pendurado, com os braços estendidos para cima e as mãos presas por uma corda. Tereza estava diante dele, olhando-o com um olho bem apertadinho e o outro muito aberto. Um olho verde, grande e mal. Juvenal tinha um pouco de sangue seco na testa, mas no geral estava bem. Falou humildemente:
- Posso te dizer uma coisa?
- Fala! - Disse ela, irritada.
- Porra, como você é... gostosa! - Teresa ficou histérica. Largou o tacape e começou a andar pela caverna, gritando séculos de queixas acumuladas contra todos os homens viventes e já enterrados. Juvenal aproveitou para admirar o corpo dela, indo, vindo e passando, e não escutou uma palavra. Apenas repetia de si para si: - Puxa, mas como é gostosa...!
Ficaram trinta e seis horas, quarenta e oito minutos e dezenove segundos assim. Ela reclamando e ele chamando-a de gostosa, sem interrupção. Por fim cansaram. Ela sentou-se numa pedra e adormeceu. Ele caiu no sono, com os braços dormentes.
Quando Juvenal despertou, Teresa preparava uma corda, em silêncio. Juvenal viu a grossa tira de corda e teve um mal pressentimento. Disse:
- Moça fantasma não só corpo gostosinho... grande pessoa, Juvenal logo vê, e admira beleza interior de moça.
- Sei. Então pára de olhar pra minha bunda enquanto fala, seu retardado.
Droga! Pensou Juvenal, e fez um esforço para erguer os olhos. Disse:
- Moça amiga de Macartúrio. Macartúrio engana moça. Macartúrio um mala. Macartúrio grande cabra safado. Vale menos do que o que o gato do mato enterra. Macartúrio foge em jangada e deixa moça a ver navios. - Achou o trocadilho engraçado e caiu na risada.
Ela retrucou:
- Vê lá se aquele idiota tem competência pra isso. Acho que até banho de banheira ele toma com colete salva-vidas. Além disso ele me ama.
- Ama nada. Ele mau. Ele bandido. Ele foge e deixa moça no “ora veja!”.
- Como você sabe disso, infeliz? Isso é veneno seu.
- Ele jangada pronta, começa três meses atrás. Só conta agora porque moça descobre. Pretendia fugir em segredo.
Tereza ficou pensativa. Realmente aquilo era fazia sentido. Ficou indignada com a ingratidão do amante.
- Vocês homens são todos iguais, só muda número de sapato! E qual o seu plano?
- Juvenal foge com moça. Macartúrio e homens da ilha ficam no cinco-contra-um para sempre.
Tereza refletiu silenciosamente. Achou que não conseguiria fugir sozinha, e por vingança queria deixar o amante para sempre na ilha, sozinho e esquecido de mulher.
- Pois muito bem! Como iremos viver no continente?
- Mim tem coleção de pepitas de ouro escondidas. Juvenal leva e moça leva vidão!
Tereza achou que poderia arriscar com aquele imbecil, enquanto as pepitas não acabassem.
- Pois bem. Conta direitinho como vamos fazer, benzinho.
E Juvenal expôs seu plano.

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