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Visões do Abismo

Thursday, December 02, 2004

Memórias de Um Náufrago: Capítulo XVII - Epílogo.

Eu mal comecei a correr, e ouvi um grande alarido atrás de mim. Olhei por cima do ombro e pasmem! A tribo inteira me perseguia. O Pajé há dias vinha desconfiando de toda aquela movimentação, e apenas me esperou sair, veio atrás de mim com todos os nativos. Meus olhos quase saltaram das órbitas, e disparei feito um louco. O barulho chamou a atenção de Tereza e Juvenal, e eles também desataram a correr. Quer dizer, ela desatou a correr. Ele desatou a se arrastar, como um múmia apressada. O Pajé gritava:
- Espere aí, Missifio! Vamos conversar, rapaiz!!
- Outra hora, Pajé. Agora estou com pressa!
Tereza já chegara à jangada, e a empurrava sozinha para a água. Eu vinha que vinha na carreira, e Juvenal ia chegando. Ela conseguiu por o barco no mar, e corria para pegar as bagagens que estavam com o infeliz. Juvenal nem levantava os braços, e parecia um zumbi. Tereza começou a revistá-lo, e eu não sabia que ela procurava as tais pepitas de ouro. Aparentemente encontrou-as, porque desistiu de ajudar o homem a subir à pobre embarcação. De fato, deu-lhe um bom chega-pra-lá, e partiu sozinha. Juvenal desesperou-se e passou a se debater, procurando caminhar mais depressa, mas foi pior. Eu alucinado, com a tribo toda no meu encalço. O Pajé dizendo:
- Home, que bicho diferente é aquele?
E a mesma idéia estalou na mente de todos os coitados, percorrendo o grupo como uma corrente elétrica:
- É mulher! É mulher! É mulher!
Quando perceberam isso imagine a aflição dos fulanos. Correram mais ainda, e eu na frente já sentia os pés dos primeiros nos meus calcanhares! Tereza se atrapalhara toda, porque as ondas começaram a levar a jangada. Desesperada ela voltou para a praia e arrastou Juvenal para dentro d’água, pôs o canalha de bruços, agarrou um galho comprido na areia, e montou nas costas do infeliz, usando-o como bote enquanto ele se afogava sem conseguir levantar a cabeça paralisada. Finalmente alcancei a praia, e atirei-me nas ondas, nadando feito um alucinado. Tereza assustou-se com meu movimento, e caiu de cima de Juvenal. Ao tentar montá-lo novamente, virou-o sem querer, e adivinhem: O homem estava lá, todo paralisado e em plena ereção. Era mesmo um doente. Gritei:
- Tereza, você vai me trair!
- Que é isso, meu amor! Chegando num porto prometo que mando ajuda pra você!
- Espere por mim, sua safada!
- Espere o escambau! Você ia fugir sem mim.
Enquanto isso Juvenal gemia:
- Miiiinhaa fiiiilhaaaaaaa, veeennnha um pooouucco maiiiis pra direitchaaaa...
Nadando e engolindo água, gritei para ela:
- Espere por mim, minha morena! Lembre dos nossos bons momentos!
- Não te esqueço jamais, meu amor! Um abraço!
- Tereza, acho que vou me afogar!
- Sinto muito mas chorar não posso! Mais sofreu nosso irmão Judas!
Vi que não tinha jeito, ou eu nadava ou ficava. A tribo toda entrara na água, às minhas costas, e todos dando braçadas. Tereza alcançou uma corda que se desprendera da jangada, e pulou de cima de Juvenal, que gemeu:
- Logo agooraaaa que eu tava quaaasseeeee lááááááááá...
A morena sem coração por fim alcançou a jangada. Juvenal alcançou a corda. E eu alcancei Juvenal. Segurei-me nele, tomando cuidado pra ficar longe daquele troço, e cheguei à jangada! Nesse exato momento uma enorme marola arrastou os nativos, e fomos nos distanciando. Eu e Tereza exaustos e sem respirar direito. Juvenal segurando a corda com uma mão, mas firme. Ainda ouvimos a voz do Pajé sendo arrastado de volta pela maré:
- Pelo menos manda uns carregamento de playboy, Missifiooooo...!
E Juvenal, novamente esfolado:
- Alguuuééémm jogue uuummm band-aid...!!
Ficamos dias em alto-mar. Joguei uma bóia para Juvenal, e ele viajou atado a nós pela corda. Eu lhe jogava comida e água, e a paralisia muscular passou muito, muito devagar. Dias depois, quando fomos resgatados, o infeliz ainda estava com aparência de múmia, e gemia:
- Sóóó me arruma uma pomadinhaaa, Macartúrio filho de umaaa...
Estas são as minhas memórias daquele período fantástico da minha vida. Nem tudo eu relatei aqui, porque vocês não iriam acreditar, e já me cansa a mão escrever tanto. Quando chegamos ao continente, Tereza aproveitou meu cansaço e a paralisia de Juvenal para fugir, levando as pepitas de ouro dele. Segundo me disse Juvenal, porém, ela danou-se, porque ele escondera as pepitas verdadeiras, só não me perguntem onde, e deixara umas falsas de chamariz pra traidora. Depois de colocá-las de molho em água sanitária por três meses, vendemos as pepitas e levei Juvenal do hospital direto para uma casa de massagens que eu conhecia. Ficamos internados lá então, por mais seis meses, até Juvenal ser despejado e eu ter que acompanhá-lo, porque ele convencera a dona a fazer conosco um esquema tipo churrascaria rodízio, que a dona descobriu que no caso dele dava um tremendo prejuízo. Fomos para minha casa, e vimos com espanto na televisão, num desses horríveis programas de auditório, que Tereza tinha virado dançarina de uma banda de forró cearense, e apareceu dançando, de minissaia, com um sujeito de colete e cabelo comprido, e parecia feliz. Nunca mais voltei à ilha, mas de tempos em tempos mando um avião jogar um caixote de revistas playboy pro Pajé e a Tribo dos Bilaus Carecas. Juvenal e eu acabamos amigos e sócios. Depois de virarmos personas non-gratas em todos os bordéis da cidade, e termos inclusive motivado a fundação de uma associação dos donos de casas de massagens, apenas para criar regras de defesa contra sujeitos como nós, encontramos a solução para os nossos interesses do modo mais óbvio: fundamos nosso próprio bordel, e fomos morar lá mesmo. De vez em quando tenho que interferir entre Juvenal e alguma das meninas, pedindo pra ele maneirar um pouco. Temos um índice alarmante de anemia entre elas, mas no mais as coisas são tranqüilas. Juvenal é um doente. Bem, ficamos por aqui. A vocês, que me acompanharam, eu agradeço de coração. Agora vão cuidar de suas vidas, que preciso ir lá embaixo apartar mais um coitus ininterruptus. Adivinhem de quem.